segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Passar ao lado...

"Poderia chamar-se Mike. Beagle. Ou Bobby...Mas não se chamava. Quando se aproximava das beatas da rua, crente de que lhe dariam um pouco de comida, chamavam-lhe simplesmente vadio.

Tenho uma amiga invisual que tem um gato cego. Talvez seja esse o verdadeiro significado da palavra "empatia". Se calhar por isso é que o cão e o sem-abrigo se aqueciam um ao outro quando o frio cortante do inverno teimava em não os deixar dormir.

Não sei porque me lembro disto. Lembro-me de um dia o sem-abrigo me pedir esmola e eu nem sequer para ele olhar. Não lhe disse que sim, nem lhe disse que não. Simplesmente ignorei-o.

Não sei porque porra é que me lembro que o sem-abrigo se cobria com um cobertor castanho com uma risca beje.

Sinto um nó na garganta. Não percebo porque não me dão mais comprimidos para dormir, para me afastar estes pensamentos.
Reina aqui um silêncio de morte. E eu só me vem à cabeça os olhos tristes do cão.

Vou morrer. Os médicos dizem que vou partir em breve, é como se os meus pulmões fossem um resto de madeira carbonizada por um incêndio florestal. Mas não me dói nada, deve ser dos comprimidos...
Só sinto o frio que o cão sentia, a fome que o cão sentia. A solidão.
Não sei porque é que as enfermeiras já não aparecem quando chamo. Queria pedir-lhes um comprimido para o nó que me está a apertar a garganta..."